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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007
Miami Vice
O filme mais mal-interpretado de 2006
O IMDB, o maior website sobre cinema fez, como todo ano, uma votação dos usuários para avaliar os melhores filmes de 2006. Respondi a votação. Chegou o momento “Filme do ano”, não pestanejei: Miami Vice, obra-prima do Michael Mann. Voto encaminhado, decido olhar os resultados parciais; eis que encontro o filme que votei como o melhor do ano muito bem cotado como um dos piores do ano! Diziam que o cineasta Michael Mann era à prova de críticos. Nenhum filme seu desde, sei lá, o primeiro do Hannibal, Manhunt (1986), recebia críticas negativas. Miami Vice, meses antes de lançado, foi mal visto pela crítica. Admito que também estava receoso: o trailer tinha Linkin Park de trilha, os cartazes indicavam um filme ruim de ação... me perguntava, “no que o Michael Mann se meteu?”.
Nos primeiros minutos de Miami Vice meus medos se dissiparam; Linkin Park é quase satirizado, tocando em um bar fodido cheio de gângsteres vestidos de forma ridícula. O filme, como o último do Mann (Colateral) foi filmado em DV, Digital Vídeo, que garante uma imagem, digamos, “de menor qualidade” (aspas grandes aí), o que dá um teor urgente e realista à obra; parte da filmagem é handheld, acentuando o estilo documental e apressado. E lá surgem os protagonistas, Foxx e Farrell, o último portando um ridículo bigode. Detratores acusam o filme de desrespeitar o seriado original. Pois eu digo, graças ao meu bom Deus, desrespeitaram! Nada de ternos cor-de-rosa! Já basta o bigode!
Todo o início do filme é nervoso, marca registrada de Mann, culminando na primeira cena antológica, o suicídio do cara que interpretou o sapateiro do “Eu, Você e Todos Nós”. A cena merece um estudo cuidadoso: o plano dos faróis de carro, o caminhão vindo, os olhos assustados da personagem, e então, o caminhão passa e vemos o rastro de sangue na pista. É um clichê (às vezes questionável) dizer que o não-mostrado é mais impactante. Pois é exatamente isso que ocorre. A cena é visceral, e o espectador sequer assiste ao suicídio em si. Após o início turbulento, chega a ruptura estrutural proposta pelo filme. É um filme de ação sem ação. Ele mergulha nos seus personagens, na construção lenta da trama, sem colocar uma cena de perseguição a cada 20 minutos, como em um filme do Michael Bay (“A Ilha” é um exemplo fácil). Cedo ou tarde o espectador passa a se questionar se entrou no filme correto. A ação no início foi um falso prelúdio e só retornará no final do longo filme de 2 horas e 20. Até lá, aquele espectador que utiliza SEUS OLHOS no cinema (e acredite em mim, são poucas as pessoas afetados pela estética no cinema) será brindado com maravilhosos planos e tomadas.
Destaco, como a melhor cena do centro do filme, a segunda cena de sexo, que ocorre entre o Colin Farrell e a Gong Li. Michael Mann demonstra uma certa obsessão por mãos (sim, isso merece um itálico) e por focar os olhos lacrimejantes da Gong Li. Puta que pariu, com um casal portadores de corpos que muitos gostariam de ver, o diretor prefere focar mãos e olhos chorosos? Mas esse Michael Mann tem um colhões do tamanho de um boi, vou te contar.
Chega de falar de cenas específicas, embora o plano final mereça parágrafos e parágrafos, assim como a aguardada cena de ação, e o momento que toca Auto Rock do Mogwai. O que importa é o seguinte: Michael Mann é o diretor comercial mais artístico do mundo, mais até que o Spielberg. Seus filmes são repletos de simbolismos visuais, como o uso do AZUL no Fogo Contra Fogo, e Miami Vice não é exceção. O esplendor do céu de Miami, roxo, escuro e cheio de relâmpagos e trovoadas já faz o filme valer a pena. O talento visual de Michael Mann beira o ofensivo. Seus filmes são feitos para ver ajoelhado, tal qual as obras-primas dos italianos Sergio Leone e Dario Argento. É isso; Michael Mann deve ter parentesco italiano. Ele é um homem que pensa em imagens, não em palavras. O resultado é catártico para qualquer cinéfilo que USE OS OLHOS (isso exclui boa parte da crítica brasileira), e entediante para pessoas que vão ao cinema querendo aprender alguma lição de vida. Não há lição. É cinema de autor, sem restrições. Mann é o Godard dos americanos. OK, o Brian de Palma também é. E quer saber? Sou mais dos americanos.
Assisti ao filme no cinema. Não sei se o impacto será reproduzido com fidelidade na telinha pequena. Tanto faz. Alugue o DVD. Especialmente se for Widescreen. Miami Vice não merece ser ignorado.
Marcadores: Antônio Xerxenesky
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Babel
 Entre a extensa obra de Kilgore Trout, existe um conto intitulado “O idiota dançarino” e, diz-nos Kurt Vonnegut, “assim como muitas das histórias de Trout, era sobre um trágico fracasso de comunicação”. Nele, Zog, um alienígena de Margo – um planeta onde as pessoas se comunicavam peidando e sapateando – chegou à Terra com instruções para ensinar como prevenir guerras e curar o câncer. Logo que chegou, Zog viu uma casa em chamas e saiu – a seu modo – avisando as pessoas do que estava acontecendo. O chefe da família que morava na casa “matou Zog atingindo-o com um taco de golfe na cabeça”. Pois bem, Babel é um filme sobre peidos e sapateado.
O mote do filme são as dificuldades de compreensão e comunicação existentes no mundo moderno e que são amplificadas pelo fato deste tiny little world ter se tornado, no fim, uma Estrela da Morte globalizada (meu irmão diz que aí – e nos dois pontos – é puro Luhmann, ao que eu só posso concordar). É um ponto interessante, mas fácil de resvalar para besteiras apocalípticas. Felizmente o filme triunfa ao permanecer politicamente neutro ao mesmo tempo que propaga sua ideologia give peace a chance comunicativa.
Porém o filme é mais que um ensaio (escrito) e ele tem uma narrativa, aí a coisa encrespa: me dizem ser, na verdade, várias narrativas interligadas. Agora, há algo que pode acontecer de muito errado com essas histórias conectadas: elas podem dizer sê-lo e não o serem. Creio que histórias conectadas distribuem os personagens em núcleos sem uma ligação muito forte entre si (meu colegas que fizeram exatas podem compreender como uma ligação covalente); o que Iñarritu faz é uma ligação iônica. E a história sai do projeto inicial de dois modos: mostra coisas que mal tem a ver com o filme – embora seja seu melhor segmento, a parte japonesa – ou centra demais em alguns personagens e esquece outros: a família Jones. Como centra neles, acaba indo para um “melodrama para gente inteligente”. Afinal, como é que uma mesma família é atingida por um suposto atentado terrorista e seus filhos se perderem no deserto vítimas do preconceito americano com relação aos mexicanos? Eu sei que tudo pode ser simbólico, mas é só que acaba forçando uma carga emocional que poderia ter sido distribuída muito mais naturalmente (embora escapar aos planos não seja por si só ruim).
Outro ponto é que o filme se trai em sua “ocidentalidade” ao não desenvolver o suficiente a história da família marroquina ou ao mostrar um estereótipo dos mexicanos. É como se a narrativa ficasse mais complexa a cada nível (família marroquina – mexicanos – japoneses – americanos). Só que os personagens também - e ter uma vida pessoal fosse privilégio nosso e daqueles mais próximos (os dois últimos níveis apontados) – o que acaba por mostrar que há muito mais peidos e sapateado na tentativa do diretor de mostrar que we’re one but not the same do que gostaria de admitir.
Enfim, é fácil Babel não ser tudo aquilo que quer ser por sua pretensão e grandiloqüência. E ele realmente não é. Ter uma hora em que poderia ter acabado antes é, contudo, a única falha objetiva que detectei. Mas como filme é bom e te faz pensar um pouco, então é como um daqueles produtos da Polyshop que vem com brindes. Aproveite. Ah e lembrando, ideologicamente e musicalmente a trilha sonora é muito boa, misturando de tudo um pouco e com instrumentos estranhos sem ser world musica.
Marcadores: Pedro Silveira
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Pequena Miss Sunshine

Este filme estreou há tanto tempo que não deveria ser resenhado agora. Aliás, ele nem devia ter estreado, tampouco feito. Aliás, eu prefiro pensar nele como um produto de algum universo paralelo – deve ter entrado no nosso através de um daqueles portais da finada série Sliders, em que cada Terra alternativa era pior que a nossa, com guerras civis, os nazistas no poder... pois bem, o produto mais nefasto de um desses universos alternativos brotou aqui no nosso planeta, chama-se Little Miss Sunshine e seu efeito destruidor se verificou na cabeça de cada um dos 3.469.785 críticos de cinema profissionais do mundo e do dobro de indies que pensou “um fime de oito milhões de dólares sobre as confusões de uma família da pesada que tá no Oscar! Nossa, a Academia deve estar mudando!” Pois sim, a verdade é dura: (1) gastaram oito milhões nisso; (2) a Academia não está mudando; (3) as expressões estilo sessão da tarde não estão fora de contexto; e (4) Little Miss Sunshine é sim um produto de nosso universo.
 “Mas porque tanto ódio contra um filme tão simpático e engraçadinho?” Dirão alguns, e eu responderei: “não sei”, porque um filme tão inexpressivo não deveria motivar nem uma nota sobre sua existência, destinado que estava a ser o item obscuro da lista de filmes do Greg Kinnear que aparece no IMDB esperando um fã encontrar (mas aí ele se tornaria cult e o efeito seria pior). Acho que o ódio é contra como foi vendido, e sabendo-se que grande parte do orçamento de um filme é, na verdade, publicidade, seria melhor ter investido mais em atores qualificados, um roteirista medianamente criativo, um diretor “bacana”... Retornando ao ponto, Little Miss Sunshine é um filme de sessão da tarde que não foi vendido como tal. Ele pega uma fórmula e nem se dá ao trabalho de reciclá-la – todas as situações “engraçadas” te fazem pensar se não as viu antes (“ah mas é que cria uma familiaridade com o filme”). Se eu soubesse que era um filme de sessão da tarde não me incomodaria com a direção virtualmente inexistente, a fotografia comum – “mas é para retratar o kitsch de uma família americana de classe média” –, as atuações planas e inexpressivas, as situações que te deixam com essa cara : |
Mas ele tenta passar uma mensagem”. Ah sim, te digo qual é: concursos de beleza escravizam meninas tornando-as objetos sexuais. “Nossa, o que faremos? Afinal, temos de ter uma mensagem para salvar esse filme e fazer os espectadores acharem que vale a pena viver para ver um filme igual no ano que vem”. Solução: colocar uma guria grávida aos oito anos fazendo um strip-tease (reconheço que essa idéia é boa). O problema é que a família se une para apoiá-la, mostrando que, apesar de todos os conflitos, eles se amam. Final feliz: essa era a mensagem. “Eu não vi isso antes? Ah sim, naquele filme que cansou de passar na sessão da tarde sobre uma família que se muda e não pode levar o cachorro junto, então o guri resolve mijar a cada tantos quilômetros para ‘guiar’ o cãozinho. Qual era o nome mesmo? Não consigo me lembrar...” Ponto provado.
Marcadores: Pedro Silveira
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domingo, 25 de fevereiro de 2007
O Labirinto do Fauno

Eis o melhor filme de 2006. Não foi Os Infiltrados xonga nenhuma. É esse aqui, e eu vou dizer porque! É um filme INTELIGENTÍSSIMO! Começa por aí. A metáfora que ele faz entre as forças conflitantes na guerra civil espanhola (fascistas e comunistas) com os contos de fada é sutil e de um "encaixe" espantoso. Além disso, é um filme duma beleza estética estarrecedora. Nada de fadinhas loirinhas bonitinhas e com colã verde com varinhas mágicas. São fadas que se disfarçam de insetos e quando revelam sua verdadeira face não há nada de muito encantador. A mesma coisa o Fauno. É um bicho de aparência fria e até um pouco assustadora. Um dos monstros da história então, cruzes credo, vou ter pesadelos com ele hoje à noite (esse bichano aí de cima). Tudo isso torna o filme mais real, o conto de fadas mais palpável. Não estamos vendo a terra do nunca. Nós estamos vendo o mundo real, com seres de aparência quase real, tirando o fato de que não existem (deu pra entender? hehe). Atuações? Nenhuma prejudica e algumas se sobressaem. A atriz no papel de Ofélia, Ivana Baquero, não só é encantadora como é convincente na atuação. O Capitão Vidal, interpretado por Sergi López, faz uma atuação muito boa também, a tal ponto que depois de 10 minutos passados do filme, o personagem já causa asco na maioria das pessoas (tirando os admiradores de Franco e companhia, esses se deliciam com o personagem). Terminando a babação de ovo, apresentemos a sinopse:
Durante a guerra civil espanhola, em 1944, Ofélia e sua mãe, Carmen Vidal, refugiam-se numa casa de campo, junto ao Cap. Vidal (esposo de Carmen, padrasto de Ofélia e comandante das forças franquistas na região). Lá, Ofélia encontra um labirinto, pelo qual é conduzida, posteriormente, por uma fada, e onde descobre que é, possivelmente, a princesa desaparecida do reino subterrâneo. Ela então é encarregada pelo Fauno de completar três missões com o intuito de provar que é, de fato, a reencarnação da princesa desaparecida - tudo isso antes de a Lua ficar cheia.
Com um final em que o espectador tira as conclusões que bem quiser, o filme mostra como nunca a velha máxima de prestar atenção nos detalhes de cada dia, sem parecer clichê ou enfadonho.
Marcadores: Tiago Nobre de Souza
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