quinta-feira, 26 de abril de 2007

O Segredo de Beethoven



Filme que mistura fatos verídicos com ficcionais para contar os últimos anos de vida de Beethoven, focado na composição da Nona Sinfonia.

Com atuações de Ed Harris (Beethoven) e de Diane Kruger (Anna Holtz), o filme conta como Beethoven, a beira da surdez, teria sido ajudado por uma brilhante estudante de música a terminar e reger a Nona Sinfonia. A princípio desprezada por Beethoven, a jovem consegue com esforço quebrar a carcaça do compositor e conquistar seu coração. Sinopse ingênua e clichê? Com certeza. Depois eu vou comentar a parte histórica do filme, mas deixando de lado os fatos, e analisando apenas o enredo do filme: é um filme legal - e só. A cena-chave do filme é quando a Nona Sinfonia é executada para um teatro lotado. Nesta cena, fica evidente o quão grande o filme poderia ter sido. Com a câmera tremendo nas partes mais intensas da composição e focando o rosto, expressões e movimentos corporais de Beethoven a diretora Agnieszka Holland consegue tirar, momentaneamente, o filme do amadorismo reinante ao qual o filme estava condenado. A expectativa do coral antes da entrada em Ode à Alegria, evidenciada em uma tomada do rosto nervoso de uma das integrantes do coral e quando a câmera mostra membros do público boquiabertos e emocionados são cenas que, apesar de simples, cumprem seu papel.

Quanto aos atores: decepcionante. Apesar da atuação muito boa de Ed Harris, ele decepciona. Ao tentar mostrar um compositor obcecado, ele passa um "quê" de loucura e fanatismo, e não consegue passar segurança na tela, o que é essencial quando se tratando de um personagem histórico como Beethoven (talvez o problema tenha sido mais de roteiro do que de atuação, é verdade). Quanto à Diane Kruger, ela simplesmente não compromete, e isso é algo para se parabenizar com uma personagem tão comprometedora quanto Anna Holtz (depois explico o por quê disso). Quanto ao resto do elenco: fraquíssimo. Destaque negativo para o sobrinho de Beethoven, Karl von Beethoven, protagonizado por Joe Anderson. Poucas vezes vi uma atuação tão medíocre quanto essa.

Bom, saindo do âmbito cinematográfico e entrando no âmbito histórico.
Fatos: Beethoven existiu e realmente compôs uma Nona Sinfonia. Ele também estava ficando surdo.
Ficção: todo o resto.

A Nona Sinfonia foi a primeira sinfonia de Beethoven em 12 anos - tempo necessário para a composição das outras 8 sinfonias - e é um dos maiores marcos em sinfonias (sendo a primeira sinfonia a contar com um coral), tendo influenciado gerações e mais gerações de compositores. A Adagio da sétima de Bruckner, por exemplo, é uma herdeira da melodia do Terceiro Movimento da Nona Sinfonia, "Adagio molto e contabile", assim como suas Sinfonias em Ré menor (a terceira e a nona) são herdeiras diretas da Nona Sinfonia de Beethoven. Outro compositor que foi muito influenciado foi Mahler, especialmente em sua Segunda Sinfonia. A forma com que o Terceiro Movimento da Nona Sinfonia é encerrado também serviu de inspiração para o final da Agadio da Quarta Sinfonia de Mahler. Bom, acho que já deu pra entender o peso da Nona...

Ao contrário do que o filme mostra, a Nona Sinfonia não foi regida por Beethoven, e sim por Michael Umlauf, diretor musical do Kärntnertortheater, em Viena, onde foi apresentada pela primeira vez, em 1824. Apesar disso, Beethoven teve direito a um lugar ao lado do maestro. A primeira execução teve um sucesso estrondoso, apesar de Viena estar completamente cativada por Rossini.

Uma coisa que o filme pecou, e muito, foi o modo como foi mostrada a surdez de Beethoven. No filme, ele é apresentado como um exímio leitor de lábios (e mesmo assim, na maioria das vezes ele nem sequer estava olhando pra pessoa), e tendo uma surdez muito moderada, coisa que na realidade não acontecia. O problema de audição dele era tão grave que todos seus pianos tinham os pés cortados, para ficar próximo ao chão e ele poder sentir a vibração, deitado. Esse foi um dos pontos que eu acho que mais falhou no filme.

Mas vamos ao que ferrou, e muito, o filme: a diretora e os roteiristas se importaram tanto em criar outra personagem forte, para manter a trama que acabaram tirando o foco do que deveria ser o assunto principal: Beethoven. A personagem Anna Holtz é mostrada como uma personagem em quem Beethoven se apóia demais, diminuindo o compositor. Louie - como um de seus amigos se refere a ele, e que é outro ponto patético do filme - desenvolve inclusive um tipo de paixão pela garota. A cena em que Beethoven pede pra Anna banhá-lo tem que ser uma das cenas mais constrangedoras da história do cinema.

Outro erro do filme foi tentar se aproximar de Amadeus, de Milos Forman (que conta a história do, na minha opinião, mais genial compositor de todos os tempos, Wolfgang Amadeus Mozart), como na cena em que Beethoven, fraco, dita uma composição para Anna, no que parece uma clara tentativa de copiar a cena em que Mozart, a beira da morte, dita partes do Réquiem para Salieri copiar. Também na cena em que Anna toma coragem e mostra uma de suas composições para Beethoven e este ridiculariza a música, pode-se lembrar da cena em que Mozart, na frente de outros nobres, melhora uma composição de Salieri e o humilha.

Apesar de Beethoven ser um prato cheio pra qualquer roteirista, estes preferiram praticamente denegrir a imagem do compositor com uma história digna de filmes de fundo de locadora. Aposto muitas fichas de que se o filme fosse mais focado em Beethoven e na Nona Sinfonia, o filme iria se sobressair. Infelizmente, não foi o que aconteceu.

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sábado, 14 de abril de 2007

Sunshine - Alerta Solar

Tempo atrás, não faz muito, vi o trailer dessa nova empreitada do Danny Boyle. Comentei, “putz, mas esse Sunshine parece um lixo”. Fui adiante: “Uns magrões querendo religar o Sol? Qualé?”. Rateada total. Eu deveria saber melhor. O negócio é que o Danny Boyle não faz filmes ruins. Até seus filmes meia-boca são legais pra caramba, como Por uma Vida menos Ordinária e o A Praia (que vamos lá, seria bom se não fosse aquela estrutura lixenta). Danny Boyle tem tudo para ser afetado. Ele é inglês. Ele é famoso. Ele dirigiu Trainspotting e Cova Rasa. E ainda assim, ele não é afetado ou artê. O seu filme “de zumbis sem zumbis”, Extermínio, é uma obra-prima, talvez um dos melhores filmes da década. O seu filme infantil, Caiu do Céu, é o tipo de filme que eu teria todo o prazer do mundo de levar meu filho para ver. Se eu tivesse um filho, claro.

Mas chega de falar do Boyle. Vamos entrar no Sunshine. O inglês disse que a principal inspiração para o filme foi 2001: Uma Odisséia no Espaço e Solaris (o original do Tarkovski, óbvio). Então, isso significa que Sunshine é um filme de trinta horas, lento pra cacete e cheio de diálogos reflexivos? Piça!! Sunshine é inteligente sem esfregar na cara. Não é monótono em momento algum, não, é um filme de ação quase. E ainda assim esbanja não apenas realismo (o que não é muito importante no gênero da ficção-científica) como implicações metafísicas e filosóficas.

Há deslizes? Putz. O Boyle, que bem aprecia uma mudança total de tom nos seus filmes dá a impressão, por um momento, que Sunshine vai se tornar um horror do tipo slasher no espaço. Não falo mais para não sabotar a experiência, mas digamos que depois o filme retoma de onde parou e essa subtrama fica bem interessante. Vou dar um chute longínquo: acho que isso é culpa do nosso amigo Alex Garland, colaborador frequente do Boyle que escreveu o filme, além do já mencionado A Praia.

A grande “graça” do filme, pelo menos para mim, está nas soluções visuais do Boyle. A maneira como a luz reflete nas superfícies é uma atração à parte. Remete diretamente ao estilo de filmar do Brian de Palma. Um adjetivo adequado seria “slick”, mas não consigo pensar no equivalente em português. O curioso? Brian de Palma já dirigiu uma ficção-científica com tons parecidos com Sunshine. O filme era Missão a Marte, e considero o pior filme que assisti do mestre De Palma. Conclusão? Sunshine é, para mim, o filme que Missão a Marte deveria ter sido e não foi.

Agora antes que me chamem de fresco, me permitam explicar que a luz tem uma importância forte no filme, tanto no nível simbólico-metafórico quanto no estético. O reflexo dela é um dos ingredientes fundamentais do filme. Tudo explode e brilha e preenche o mundo de luz e branco e envolve. Delícia.

Sendo um pouco chato, nem tudo é maravilha. Tem uma meia dúzia de planos que é muito videoclipeiro para meu gosto, mas os espectadores fãs de Tony Scott não vão reclamar. Mas no geral cada enquadramento parece muito bem planejado. O Danny Boyle tem uma mania de filmar rostos de ângulos inusitados que me agrada muito. As cenas de ação também lucram com tomadas que começam “invertidas” e que vão se normalizando aos poucos.

Acho que já falei de mais. Vai logo no cinema ver o filme, estreou hoje, 13 de abril na província de Porto Alegre. A campanha de marketing de Sunshine é quase nula, o filme sairá de cartaz em dois toques. E sim, é filme de se ver no cinema. Ajoelhado, de preferência. Absorvendo uma saraivada de luz.

P.S.: qual é a do subtítulo? “Alerta Solar”? Pior que o “Sem Limites” do Trainspotting!

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